segunda-feira, outubro 30, 2006

Gaijos que não me importava de ter a passearem-se cá por casa



Peter Krause

Assim. Sentadinho no sofá cada vez que eu metesse a chave à porta.

Humberto Borges ©

Como de costume àquela hora, Violeta esfregava os olhos cheia de sono. Mesmo assim, teimosa, pediu-me que lhe contasse uma estória. Olhei para ela, sentei-me à beira da cama, afaguei-lhe a cabeça sedosa que em tempos me coubera na mão e contei.
Havia duas castanhas. Pareciam o Bucha e o Estica. Uma era gorda e robusta, orgulhosa da quantidade de miolo que tinha para oferecer, com uma enorme mancha branca que não a deixava confundir-se com nenhuma outra castanha. Tão gorda, tão gorda que a casca luzidia já dava de si.
E a outra? Como era? Perguntou Violeta, curiosa. Espera, disse-lhe eu, já vais saber.
A outra era esticadinha. Histérica por dietas e nada preocupada com o facto de um dia ter de alimentar alguém.
A estória parecia não estar a entusiasmar Violeta por ai além, que soltou um longo bocejo.
Andavam sempre juntas. Desde o dia em que tinham nascido coladinhas uma à outra no mesmo ramo de um velho castanheiro, perdido no fundo de um jardim onde já ninguém ia.
Impaciente, Violeta mudava agora de posição na cama.
Um dia, iam as duas a passear pelo parque da cidade. A gorducha tagarelando alegremente sobre o dia, se tudo corresse bem de S. Martinho, em que a meteriam num pote de barro e assada e cheia de fuligem, dando sentido a toda a sua gordura, mataria a fome de alguém. Violeta parecia adormecer.
A mais magrita ia à frente, desvairada, em passo de corrida a ver se queimava mais algumas calorias, rezingando, queixando-se da vida e das caimbras que lhe iam aparecendo nas pernas. A única coisa que se lhe ouvia era que, se tudo corresse bem também, de tão enfezada que era nunca ninguém a havia de querer comer.
Sim, Violeta adormecia calmamente.
De tão desaustinada que ia, continuei, tropeçou e caiu numa sarjeta onde deve ter ficado até hoje. A castanha gorducha? Essa, de tão gorducha e luzidia, foi feita marron glacé, mergulhada em açúcar, embrulhada em papel celofane brilhante e rodeada de outras tantas castanhas orgulhosas de si mesmas.
Olhei para Violeta que dormia agora profundamente, com um breve sorriso desenhado na cara. Dei-lhe um beijo, apaguei a luz e sai devagarinho.

quarta-feira, outubro 25, 2006

Porque o Natal não é quando um homem quiser, caramba!

Segunda-feira, 23 de Outubro. Entro no Saldanha Residence e que vejo eu? Uma enorme arvore de Natal acompanhada dos mais diversos enfeites natalícios. Só faltava mesmo o Jingle Bells de fundo. A 23 de Outubro, malta, 23 de Outubro!! É que nem nos deixam respirar!

Os quadros da minha (curta) vida



The Extraction of the Stone of Madness (1475-80)
HieronymousBosch
Museo del Prado, Madrid

Muito se fala deste pais, da forma como insistimos em não nos equiparamos ao resto da Europa questionando-se o porquê das coisas nunca funcionarem. Neste Sábado, o Expresso trouxe uma reportagem digna de qualquer pais em vias de desenvolvimento. Em Oeiras, distrito há pouco tempo noticiado como o mais letrado do pais, uma pessoa tem que estar antes das cinco da manhã à porta do Centro de Saúde, que só abre às oito da manhã, para conseguir uma consulta. Para aquele dia ou para dali a um mês. Se tiver o azar de ter mais não sei quantos desgraçados que madrugaram como ele mas conseguiram chegar segundos antes, esgotando as senhas do dia, mais não lhe resta que voltar a repetir a maratona no dia seguinte ou, pior, dali a um mês. Situação mais que caricata. A de uma pessoa ter que perder uma noite de sono para esperar para marcar uma consulta médica no Serviço Nacional de Saúde. À chuva e ao vento, se for caso disso, correndo o risco de apanhar uma pneumonia e incorrer por si só em mais encargos para o próprio SNS. Já assim era quando eu era adolescente e corria para o mesmo Centro às escondidas dos meus pais para marcar uma mísera consulta de Ginecologia. As desculpas que eu tinha que inventar para saltar da cama às quatro da manhã e sair porta fora. E, na altura, nem sequer os after hours estavam na moda. Nunca pensei foi que, volvidos quase 20 anos, tudo se mantivesse na mesma. Num pais onde quase 25% do Orçamento de Estado vai para a saúde e onde a despesa total com saúde ronda os 10% do PIB nacional, justifica-se? Talvez. Porque não é uma questão de falta de dinheiro. É pura e simplesmente má gestão e completo desrespeito por aqueles que devíamos estar a servir. Com estas e outras tantas tão parecidas ainda perguntam porque raio somos nós um povo triste, pais do fado e do eterno derrotismo, sem nunca conseguirmos equipararmo-nos ao resto da Europa?

quinta-feira, outubro 19, 2006


Humberto Borges ©

Há palavras que nos beijam. Ela sabia-o bem. Melhor que ninguém. Ele sempre tivera esse jeito, de a beijar ao de leve com palavras. Sempre a mimara assim. Desde o dia em que se conheceram, há quase 50 anos, numa esplanada junto ao mar. Quando ela lhe perguntara o que queria beber e ele lhe respondera Uma água bem fresca, para me acalmar o desejo que tenho de te fazer feliz. Palavras que vinham de mansinho, pé ante pé, lhe percorriam o corpo como beijos e, enchendo-a de arrepios, a envolviam em ternura e a faziam sentir-se a mulher mais amada do mundo. Agora, quando já nada havia que a salvasse, quando os médicos olhavam para ela como um caso perdido escondendo envergonhadamente o olhar cada vez que lhe entravam pelo quarto dentro, ele sentava-se ao seu lado, pegava-lhe na mão fria e quase inerte e sussurrava-lhe: Quero que o vermelho te corra nas veias para sempre. Quero que fiques. Aqui. Comigo. Que esperes por mim para morrermos juntos e para juntos acordarmos do lado de lá. Palavras que lhe chegavam como um beijo. Mais forte que muitos dos beijos que havia recebido durante toda a vida, aquecendo-a e enchendo-a de uma esperança que ela sabia não poder existir.

quarta-feira, outubro 18, 2006

Uma pequena delicia



Com o bónus de ter músicas do Sufjan Stevens na banda sonora.

Humberto Borges ©

Há já alguns meses que Rui não dirigia uma orquestra. Quase dois anos, para ser mais preciso. Desde que partira mãos e braços num mergulho mais afoito em mares açorianos que as operações haviam sido sucessivas, afastando-o daquilo que mais gostava de fazer. Tivera sorte, disseram-lhe. O que mais lhe doera nem sequer foram os ossos que lhe teimaram em juntar-se desajeitadamente. Foi ver-se assim, afastado das suas lides de maestro, sem poder orientar todas aquelas cordas, ver como bombos e pratos se curvavam aos seus gestos e como os metais obedeciam ao primeiro sinal que lhes fazia para entrarem. Tinham sido horas de exercícios acompanhadas por uma fisioterapeuta sádica que soltava um sorrisinho a cada queixa que tinha. Hoje, finalmente, aterrara em Lisboa, num dos seus costumeiros dias de sol que o aquecia, mantendo-se a alma fria com o temor que o jeito de maestro se tivesse ido embora juntamente com as ligaduras, ferros e talas que lhe aprisionaram os membros por tanto tempo. Tinha esmerado na indumentária. Escolhera algo casual não esquecendo o toque clássico de uma gravata. Simulando confiança e determinação, entrou em palco acompanhado da sua nuvem de cabelo branco e dos óculos na ponta do nariz, perante um público que ansiava por o ver outra vez. Cumprimentou este público que esgotava a sala, virou-se de costas, nervoso e trémulo, e encarou toda aquela gente que esperava um sinal seu. E de repente ao seu primeiro gesto, a sala encheu-se de sons e tudo lhe regressou como dantes. Onde as suas mãos arrancavam sons ao silêncio que se impunha. Sons dispares que percorrendo a sala se organizavam e se tornavam música aos ouvidos dos que ali se haviam deslocado. E Rui, feliz, acompanhou tudo aquilo com lágrimas intensas que lhe lavavam o rosto e lhe dissipavam a dor.

terça-feira, outubro 17, 2006

Mau Maria, mau Maria...



Ainda me hão-de explicar em que é que o meu Estado Civil incorre em despesa acrescida para o Estado para me penalizarem desta forma. Que me lembre, a última vez que o meu Estado Civil gerou qualquer tipo de despesa pública, foi quando pedi a renovação do BI. E na altura, paguei o serviço à semelhança de casados, divorciados e viúvos. Já não bastava ter um só rendimento e com ele ter que suportar todas as despesas fixas semelhantes às de qualquer casal, para ainda me virem aumentar a comparticipação para o bolo social. Deve ser alguma ideia mirabolante e reaccionária para incrementar a taxa de natalidade.

segunda-feira, outubro 16, 2006

Beats me!



Confesso que nunca percebi o que acomete as minhas congéneres e as leva, em locais públicos vários, a saírem disparadas de onde estão e irem juntas à casa de banho, soltando risinhos e gritinhos. Devo ter um cromossoma qualquer a menos que me faz menos gaja do que elas, de certezinha, mas juro-vos, gaijos deste mundo, que tal coisa me deixa tão atónita como a vocês encontrando-se envolta em igual mistério. Fico ainda mais perplexa quando as vejo, aos pares, a espremerem-se todas para caberem no cubículo onde se encontra a sanita. É que não faço a mínima ideia o que uma fará enquanto a outra está a fazer o que ali a levou. Segura nela para que não se desequilibre e toque com o rabo na sanita?! Passa-lhe o papel higiénico?! É um enigma. Sendo gaija, e sabendo exactamente o que vou fazer a uma casa de banho pública, não entendo para que precisam de companhia. A menos, é claro, que estejam todas alegremente a partilhar carreirinhas de coca. Mas isso já é outra estória.
Depois, saem igualmente juntas e aos gritinhos e risinhos do dito cubículo e põem-se a retocar a maquilhagem em frente ao espelho enquanto trocam galhardetes invejosos tipo Ai estás tão gira e estás fantástica e tal e coiso. Um enjoo, só vos digo.
'Tá certo que há ocasiões em que uma mulher precisa de ter um pequeno tête-à-tête com a amiga sobre as ocorrências imediatamente anteriores mas... na casa de banho?! Além de me parecer um local desprezível para troca de cumplicidades garanto-vos que, nestes anos todos, nunca assisti a uma conversa que não se pudesse ter cá fora, com o barulho das luzes e tal. Enfim, devem ser estes comportamentos, a par de tantos outros que, às vezes, nos tornam seres tão irritantes.

Gaijos que não me importava de ter a passearem-se cá por casa



Viggo Mortensen

domingo, outubro 15, 2006

Custa-me



Fui ver. Um espaço fabuloso, noites inteiras a ver gente bonita, a sensação ilusória que somos alguém importante e que estamos num verdadeiro happening da cidade, boa música e copos à pala. Quem não gosta? O que acho imoral é que aquilo que é um divertimento quase privado, uma autêntica feira das vaidades, uma parada (outra!) oca, um evento que não tem praticamente qualquer impacto a nível nacional, quanto mais internacional, em termos de promoção da moda portuguesa ou mesmo da cidade de Lisboa, seja patrocinado a 80%, pelo que me disseram, pela Câmara Municipal de Lisboa.

sexta-feira, outubro 13, 2006

Uinda, uinda, uinda!!

The Strokes have recorded a cover of Marvin Gaye's "Mercy Mercy Me" with guest performances by Pearl Jam's Eddie Vedder (vocals) and Queens of the Stone Age's Josh Homme (drums).

http://www.youtube.com/watch?v=IPuMT1teWaE


Por forças das circunstâncias, vi-me ontem metida no meio da manifestação geral que decorreu em frente à Assembleia da República. Até concordo com a ideia. Acho que um dos males deste povo é queixar-se, queixar-se e nada fazer. Têm por isso todo o meu apoio no que seja mostrar o descontentamento vivido. Mas confesso que até se me arrepiaram os cabelos quando percebi que as palavras de ordem continuam a ser O povo unido jamais será vencido e A luta continua. Um bocadinho vetusto, não? Por amor a whatever, ao menos renovem os slogans! Já para não falar do discurso que se mantém no Nós, os trabalhadores. Eles, os patrões.
E falava eu ainda esta semana em paradas que mais pareciam palhaçadas…

quarta-feira, outubro 11, 2006

Lisboa, menina e moça?



No início deste mês foi apresentada ao público a Proposta de Revitalização da Baixa-Chiado. Como amante e habitante que sou desta cidade, corri a ver mais pormenores, com o optimismo decorrente da coisa ter a chancela da Maria José Nogueira Pinto, pessoa que sempre me mereceu respeito e confiança. O programa em si procura fazer aquilo que nós, lisboetas até aos ossos, que temos uma paixão perdida por esta cidade e a quem dói o coração a cada atrocidade que lhe é feita, sempre reclamámos que devia ser feito. Igualar a Praça do Comércio às restantes grandes praças da Europa, fechando-a ao trânsito, calcetando-a e dinamizando-a com lojas, cafés e restaurantes; revitalizar a zona ribeirinha aproveitando para a ajardinar, tornando-a agradável a passeios e actividades ao ar livre; reabilitar cerca de 65% dá área edificada procurando aumentar significativamente o nº de moradores e arranjar alternativas para o trânsito de forma a reduzir substancialmente o nº de veículos naquela zona, são algumas das propostas, entre outras. Muito bem, muito bem, pensei eu. Finalmente um plano coerente, coeso, incisivo.
A Bolota só torceu o rabo quando me apercebi que o prazo para execução da revitalização é de 14 anos! Assim lido de repente ia tendo uma apoplexia e pensei que se propunham a terraplanar a zona toda e construir outra por cima. 14 anos?!? Mas como 14 anos?!? Atão, 14 anos não dão para construir uma cidade inteirinha?! Mas afinal quantos anos terá demorado a reconstrução da mesma zona após o terramoto de 1755?! Em 14 anos aquilo que se fez nos primeiros, vá lá, 6 não estará desactualizado e a precisar urgentemente de reforma? Em 14 anos os carros não quadruplicaram mandando pró galheiro qualquer plano mirabolante de redireccionamento de trânsito?!? Sem contar que, em 14 anos, corremos o risco de assistir a mais 3 presidências na CML e com isso este, e todos os outros planos de revitalização, reabilitação ou whatever que viessem, ficarem metidos na gaveta?! Ora, francamente, pá!

Ver mais aqui:
http://www.cm-lisboa.pt/?id_item=12686&id_categoria=11

terça-feira, outubro 10, 2006

Ódios de estimação

Ao que parece, no Sábado passado, na palhaçada que foi o desfile da SIC Avenida da Liberdade abaixo por conta do 14º aniversário da estação e que encalacrou o transito todo da cidade, a grande atracção do Circo Chen foi o José Castelo Branco, como domador de leões. Finalmente, a pessoa certa no lugar certo. Pena não ter atiçado os leões à Floribella e Cª que também por lá andavam.

Para pensarmos

Terra está em saldo negativo ecológico desde ontem

Se é um consumista inato ou simplesmente gosta do conforto ocidental, preste atenção a este dado: desde ontem, a conta ecológica da Terra entrou em saldo negativo. Por outras palavras, a partir de agora e até ao fim de 2006, os seres humanos estarão a explorar mais recursos naturais do que aqueles que podem ser renovados num ano civil.

in Publico-online, hoje

E agora ide ver isto, ide. Assimilem e façam qualquer coisinha.





sexta-feira, outubro 06, 2006

Guillemots



Pensei que fosse mais uma daquelas histerias da crítica portuguesa, que volta e meia eleva à condição de nova coqueluche bandas bastantes medíocres. Enganei-me. É mesmo muito bom.

segunda-feira, outubro 02, 2006

Pois...



"You are interested in a person, not in life, and people die or leave us.(...) But if you are interested in life, it never lets you down."

Graham Greene
Our man in Havana

Ódios de estimação



Enquanto estive fora, houve alguém que simpaticamente me guardou um exemplar do 1º número do Sol, para que eu pudesse apreciar condignamente o novo concorrente do único semanário sério do pais. Uma primeira leitura deixou-me a impressão de não ser muito diferente do dito semanário sério. Uma veia mais sensacionalista, uma revista, Tabu, com um síndrome de esquizofrenia sem ter uma identidade própria e que me levantou muitas vezes a dúvida se estaria a ler a revista do novo ou do velho semanário, tal é a semelhança gráfica, sequência de imagens, alinhamento de noticias, etc, etc e pouco mais. Mas o pior de tudo foi ver os meus maiores receios confirmados quando pensei que o novo semanário seria uma extensão do enormíssimo ego do seu director, e deparar-me com uma página inteirinha no caderno principal dedicada à ruptura de José António Saraiva com o Expresso e à criação do Sol, com fotografias do Pinto Balsemão à mistura e tudo. Achei ridículo, infantil e escusado mas pensei que fossem entusiasmos de um número de estreia e que depressa se desvaneceriam. Enganei-me. Neste 3º número vejo que na Tabu, a tal revista esquizofrénica, existe uma crónica do Sr., de duas páginas, com o titulo "Os meus últimos dias no Expresso - Excertos do livro de confissões de um director de jornal, a publicar em Novembro". A adivinhar pelo título, "O almoço decisivo", o próximo capitulo continuará com a saga.
Passou-se! Só pode! Desculpem lá, mas a uma leitora que se digna a gastar 2€ para ser informada sobre o que se passa a nível nacional e internacional e ler opiniões abalizadas sobre assuntos vários, que porra interessam as quezílias do homem com um ego que não lhe cabe onde devia caber, com o antigo patrão e o raio?! Alguém que avise esse senhor que, mesmo pequenino, este pais tem histórias bem mais interessantes para serem contadas.

domingo, outubro 01, 2006

Mundial de pirotécnia 2006 - Lisboa - Parque das Nações



Espectacular! A participação portuguesa mais uma vez em grande. E fogo de artificio é algo que há-de sempre fazer-me chorar!