quarta-feira, novembro 29, 2006


Humberto Borges ©

Estava ali há horas. A mexer e remexer naquelas caixas, gavetas e baús que encerravam uma vida inteira que, afinal, mal conhecera. Cheias dele. De roupas, livros, fotografias já amareladas e sebentas carcomidas da faculdade. Peças que procuravam conjugar fragmentos de uma vida que ela tinha, por tão pouco tempo, partilhado. António sempre tivera a mania de guardar tudo. E ali estava tudo, de facto. Até os brinquedos. Brinquedos que lhe passavam pelas mãos carregados de estórias que ela nunca ouvira e que tentavam desvendar-lhe uma infância que ela se esquecera de perguntar como fora. Uma angústia percorria-a ao mesmo tempo que mexia em soldadinhos de chumbo, pequenos carrinhos de corrida, berlindes... Agora seria tarde demais para qualquer resposta. E nem sequer mãe e irmãos, transformados em sogra e cunhados para toda uma vida por conta de um papel assinado à pressa num final de tarde de sol envergonhado, lhe poderiam contar fosse o que fosse sobre aquela infância. Não agora que haviam partido para a terra, carregados de lágrimas e amarfanhados por uma desolação sem fim. Restava-lhe tentar adivinhar todo um passado que lhe escapara. Imaginou António, gaiato, a brincar, a correr, a dar voltas e mais voltas até ficar tonto. Tal e qual como tonto ficava de tanto se rir com ela. Sorriu ao ver uma mão cheia de pequenos fantoches. O bandido, o mago, a coruja e a princesa. Todos sem boca e de olhos frios e negros. Adivinhou as estórias que ele havia posto naquelas bocas ausentes, encenando teatros de fantoches para a família inteira, na sala, junto à lareira onde, anos mais tarde, a despira pela primeira vez. Estórias certamente de bravura e onde a donzela era resgatada no final tal como ele a havia resgatado a uma vida triste e solitária e lhe havia mostrado um mundo inteiro de novidades. Viu-o a jogar ao berlinde, a ensaiar os primeiros metros em cima de uma bicicleta ou a correr atrás de uma bola, de calções vestidos, impecavelmente engomados pela mãe, a taparem-lhe os joelhos esfolados. Brincadeiras certamente com o César, o Chico e o Zé, os mesmo que prontamente haviam telefonado para ela no dia anterior a darem-lhe os pêsames, quando os gritos e o choro ainda se ouviam pela casa.
Ficou ali esquecida, entretendo-se assim por muito tempo, sorrindo e procurando não pensar naquela pergunta que lhe ribombava na cabeça: Como pudera ele ter abraçado assim a morte? Obrigando-a agora a virar uma página e a seguir em frente?

terça-feira, novembro 28, 2006

segunda-feira, novembro 27, 2006

Uma dúvida que sempre tive

Porque será que as pessoas que, supostamente, mais nos amam são também as que, deliberadamente, mais capazes são de nos magoar?

sábado, novembro 25, 2006

Há vidas dificeis!

"Depois de tentativas falhadas com Viagra, medicamentos ocidentais e receitas afrodisíacas da medicina tradicional chinesa, os especialistas descobriram a solução ideal para convencer os pandas a acasalar: mostrar aos machos videos pornográficos. Filmes de pandas a rebolar com pandas têm feito maravilhas pela profileração da espécie. O desinteresse sexual destes animais é uma das justificações para o facto dos pandas estarem ameaçados de extinção:60% dos machos não demonstra apetite sexual, mesmo quando a fêmea está no cio. Que, aliás, dura só 48 horas por ano..."

in Diário de Noticias
24.10.06

sexta-feira, novembro 24, 2006


Humberto Borges ©

Um dia acordou e tinha um alto bem no meio do peito. Com o seu jeito despachado, não lhe deu grande importância e tomou o seu duche habitual. Enquanto tomava o café da manhã deu-se conta que o alto lhe começava a doer. Como se a água do duche tivesse provocado uma reacção estranha naquele corpo que sempre estimara. Intrigado, começou a vestir-se com cuidado. Quando vaidosamente se olhou ao espelho ajeitando a gravata, viu duas minúsculas folhas a espreitarem-lhe por entre os botões da camisa Ralph Lauren. Sentiu então um sem fim de dores pelo corpo todo, como se pequenos ramos quisessem sair-lhe do corpo, furando-lhe a pele. E de facto, assim era. Rapidamente o corpo se encheu de ramos com folhas verdes acabadinhas de nascer e uma outra ou outra flor aqui e ali. Em pânico, assistia àquilo tudo diante do espelho, àquele corpo que rapidamente se metamorfoseava em árvore. A cabeça ia-se transformando numa enorme copa de castanheiro, onde até as castanhas já iam aparecendo, e os pés começavam a transformar-se em grossas raízes, que procuravam segurá-lo ao chão. Aflito com tudo aquilo, começou a chamar pela mulher. Maria, Maria! Mas nada. A mulher estava muda e queda. Maria, insistia enquanto a custo arrancava os pés feitos raízes e arrastava-se até à cozinha partindo ramos ao passar pelas portas e sentindo gotas de resina em forma de lágrimas. Finalmente, ouviu a voz da mulher que, de uma forma tão doce como nunca lhe ouvira, lhe dizia Querido? Estou aqui, querido. Encontrou-a então na cozinha, em frente do lava-loiça, precisamente onde a deixara na noite anterior antes de se refastelar no sofá depois de um opíparo repasto que comera depressa e sem emitir uma palavra. Aliviado, encaminhou-se para ela. Mas, para sua grande surpresa a mulher transformava-se, ali, mesmo à sua frente, num enorme e reluzente machado.

quinta-feira, novembro 23, 2006

Do maior trovador dos nossos tempos...



"Back in the day you had been part of the smart set
You'd holidayed with kings, dined out with starlets
From London to New York, Cap Ferrat to Capri
In perfume by Chanel and clothes by Givenchy
You sipped camparis with David and Peter
At Noel's parties by Lake Geneva
Scaling the dizzy heights of high society
Armed only with a cheque-book and a family tree
You chased the sun around the Cote d'Azur
Until the light of youth became obscured
And left you on your own and in the shade
An English lady of a certain age
And if a nice young man would buy you a drink
You'd say with a conspiratorial wink "You wouldn't think that I was seventy"
And he'd say,"no, you couldn't be!"

You had to marry someone very very rich
So that you might be kept in the style to which
You had all of your life been accustomed to
But that the socialists had taxed away from you
You gave him children, a girl and a boy
To keep your sanity a nanny was employed
And when the time came they were sent away
Well that was simply what you did in those days
You chased the sun around the Cote d'Azur
Until the light of youth became obscured
And left you on your own and in the shade
An English lady of a certain age
And if a nice young man would buy you a drink
You'd say with a conspiratorial wink "You wouldn't think that I was sixty three"
And he'd say,"no, you couldn't be! "

Your son's in stocks and bonds and lives back in Surrey
Flies down once in a while and leaves in a hurry
Your daughter never finished her finishing school
Married a strange young man of whom you don't approve
Your husband's hollow heart gave out one Christmas Day
He left the villa to his mistress in Marseilles
And so you come here to escape your little flat
Hoping someone will fill your glass and let you chat about how
You chased the sun around the Cote d'Azur
Until the light of youth became obscured
And left you all alone and in the shade
An English lady of a certain age
And if a nice young man would buy you a drink
You'd say with a conspiratorial wink "You wouldn't think that I was fifty three"
And he'd say,"no, you couldn't be!"

Lady of a certain age
Divine Comedy

Acompanhado da música, aqui:
http://www.youtube.com/watch?v=wVfv9X0y-UU

quarta-feira, novembro 22, 2006


Humberto Borges ©

Só faltavam 4 km. Havia percorrido mais de 38 km. 38 km esfalfados por curvas sinuosas e subidas ingratas, debaixo de uma chuva de fim de mundo. Já só faltam 4 km. 4 km onde o cansaço começava a ser demasiado. Os 47 anos que carregava já se faziam sentir e não perdoavam. Isso e as noitadas de copos onde, à custa de tanta cerveja, a língua se lhe embrulhava e os olhos reluziam para aquelas miúdas de vinte e poucos anos, que quase nada tinham para lhe contar mas que o embriagavam com os corpos enxutos, de peito espetado e sorriso malicioso estampado na cara. Noitadas que se mostravam no cansaço que começara por entrar-lhe devagarinho no corpo e agora se transformara num cansaço agudo, como se lhe espetassem um estilete bem no meio do coração. Só faltam 4 km, só faltam 4 km, insistia para consigo enquanto os outros, bem mais novos, também de vinte e poucos anos, passavam por ele num passo elegante de corrida deixando-o para trás como se nada fosse. Só faltam 4 km... sussurrava baixinho à medida que o passo de corrida cedia a um passo lento e cambaleante. Curvando-se sobre si mesmo, levou a mão ao peito não conseguindo perceber se a dor que sentia lhe vinha da falta que lhe faziam aquelas miúdas de vinte e poucos anos, tão curvilíneas e generosas, ou simplesmente do cansaço dos últimos 38 km da sua vida. Só faltam 4 km, murmurou, de joelhos, por entre um breve suspiro.

quinta-feira, novembro 16, 2006

Uma dúvida que sempre tive

Não seremos mais felizes na iminência de um momento feliz do que no momento propriamente dito?

quarta-feira, novembro 15, 2006

Gaijos que não me importava de ter a passearem-se cá por casa



Mark Ruffalo

Podia ser de aliança no dedo e tudo!

Humberto Borges ©

Sempre que as via pela primeira vez, elas apareciam-lhe cor-de-rosa. Fossem morenas, ruivas ou loiras, baixas ou altas, magras ou gordas, cada mulher que encontrava era vista pelos seus olhos como uma imensa mancha rosa, de contornos pouco claros. Um rosa tão forte que lhe fazia saltar o coração do peito e encher o olhar de enlevo. Que o envolvia, inebriando-o e fazendo-o perspectivar toda uma vida perfeita em comum. Uma vida cor-de-rosa. Onde todos os seus anseios se realizariam. O rosa tornava-se ainda mais vivo a partir do momento em que se envolvia com elas. Os gestos, hábitos, gostos e conhecimentos delas adquiriam então diversas matizes de cor-de-rosa. Era tanto o rosa que quase ficava cego, deixando de ver fosse o que fosse enquanto ardia em paixão. Mas aos poucos, à medida que as ia conhecendo melhor, aquele rosa ia-se esbatendo. Passava a uma cor indefinida cada vez que um defeito se mostrava, que uma palavra ou um gesto o desapontavam ou quando a vivência que tinha com elas lhe ficar aquém do que havia imaginado. De tal forma que às tantas o rosa pura e simplesmente desaparecia. Altura em que as via e em que as deixava.
Sim. Porque era-lhe impensável amá-las quando se tornavam cinzentas.

domingo, novembro 12, 2006

- Queres que te faça uma massagem nos pés?
- Por haveria de precisar de uma massagem nos pés?
- Porque passaste a noite inteira a correr nos meus sonhos.

Dito aqui:



Num cinema perto de si.

sexta-feira, novembro 10, 2006

Pois...

"A satisfação no amor individual não pode ser atingida sem a humildade, a coragem, a fé e a disciplina verdadeiras (...) Numa cultura na qual são raras essas qualidades, atingir a capacidade de amar será sempre, necessariamente, uma rara conquista".

in Amor Liquido
Zygmunt Bauman

quinta-feira, novembro 09, 2006


Humberto Borges ©

- Se eu fosse um caramelo? O que fazias comigo?
- Desembrulhava-te devagar, metia-te na boca e deixava que a adoçasses.
Ela sorriu, corada.
- E uma caixa de música?
- Dava-te corda todos os dias, a todas as horas e cantava contigo.
- Então e se fosse um pássaro? Aposto que não saberias o que fazer comigo se eu fosse um pássaro.
- Por muito que te quisesse livre não conseguiria resistir a pôr-te na gaiola mais bonita para poder olhar para ti.
Ela torceu o nariz em desagrado.
- E se fosse um xaile?
- Embrulhava-me em ti e deixava que me aquecesses numa noite fria.
- Uma maçã?
- Comia-te para que passasses a fazer parte do meu corpo.
Ela começava a mostrar algum cansaço e falta de ideias. E deixou-se ficar, hesitante.
- Já sei! Uma bola! Se eu fosse uma bola tinhas mesmo que me tratar mal, chutando-me!
- Não. Pegava em ti com cuidado e levava-te a rebolar por prados e praias até te cansares.
- Uma bailarina?
- Havias de ser tão levezinha que andava contigo ao colo.
Ficou calada por breves instantes, pensando numa alternativa.
- Um pião? Terias que me largar e deixar rodopiar para longe de ti.
- Sim, mas no fim da brincadeira pegava em ti e trazia-te comigo.
- Um pequeno lenço bordado? Tinhas que te assoar a mim!
- Por mais constipado que estivesse não o faria. Limitava-me a guardar-te no bolso para poderes andar sempre comigo, quentinha.
Ela suspirou, aparentando sinais de quem começava a desistir.
- Não vale a pena, disse ele, fosses o que fosses não haveria como fazer-te mal e arranjaria maneira de te ter sempre comigo. Tal como o quero agora.

quarta-feira, novembro 08, 2006

Desconhecia em absoluto que isto ainda se podia fazer...

Hussein Sentenced To Death By Hanging

in Washingtonpost.com

segunda-feira, novembro 06, 2006

Pois...

Yes we're here
Free to laugh and cry
Obliged to try
And nothing here's worth winning without a fight
(...)
'Cause we are just seconds
Seconds in a day
(...)
Oh yes we're here
Free to go insane
Joy and pain are fighting in the corridors inside

We're here
Guillemots

Tudo, aqui:
http://www.youtube.com/watch?v=1n6uV9wqpuU

Eh, eh, eh...


"A Autoridade de Segurança Alimentar e Económica apreendeu 684 artigos eróticos, avaliados em cerca de 15 mil euros, no âmbito de uma operação nacional de fiscalização realizada a 59 operadores” (...). Entre as irregularidades detectadas consta a falta de livro de reclamações. Está-se mesmo a ver uma cliente a queixar-se da falta de qualidade do vibrador ou o cliente a protestar que “esta boneca insuflável só sabe fingir orgasmos”...”

Na Visão desta semana.

quarta-feira, novembro 01, 2006

Pois...



Um livro sobre a fragilidade dos laços humanos. Na contra capa lê-se "A misteriosa fragilidade dos laços humanos, os sentimentos que esta fragilidade inspira e a contraditória necessidade de criar laços e, ao mesmo tempo, de os manter flexíveis são os principias temas deste livro. Bauman analisa assim o modo como a nossa era, que ele designa por modernidade líquida, ameaça a capacidade de amar e os crescentes níveis de insegurança, tanto nas relações amorosas como nas familiares, e até no convívio social com estranhos."
Até pode ser um daqueles livros de auto ajuda da tanga (o que não me parece visto o autor ser sociólogo, gente pouco dada a tangas) mas tive que o trazer para casa. É que, nesta altura do campeonato, qualquer coisa serve para me ajudar a entender esta coisa a que insistem chamar de relações humanas.

Ódios de estimação

Esqueçam lá o Orçamento de Estado para 2007 mais o défice. Ignorem a reeleição do Lula no Brasil, o rescaldo do Congresso do PS, a passagem de Cahora Bassa para o estado moçambicano, a compra da Portugália pela TAP, os testes nucleares da Coreia do Norte ou até a polémica sobre se o MST afinal plagiou o Equador ou não. Esqueçam tudo. Não façam caso de nada porque importante, importante é o facto da Elsa Raposo, tadita, ter terminado a sua relação com o professor de surf que diz ter tido uma nova perspectiva das coisas após umas férias conjuntas nas Maldivas e pretende agora ganhar dinheiro à conta das estórias que tem para contar da sujeita. Não faço ideia que nova perspectiva o rapaz terá tido da moça e sempre pensei que, ao fim de uma semana de namoro com a rapariga, todas as perspectivas e mais alguma estivessem afincadamente exploradas. Parece que agora os psicologos saltaram em sua defesa e dizem que a moça ama demais (sim. A palavra utilizada é ama...). É o que lhe vale, pobrecita da moça, vá lá, que em 24 horas conseguiu arranjar quem a consolasse, haja Deus! O que quer dizer que o outro, o professor de surf, antes de se ir embora não lhe partiu os dentes. O que é uma pena...