Humberto Borges ©Por enquanto, a Mariazinha, com os seus 6 anos, era uma criança igual às outras. Com os seus cabelos aos caracóis loiros, tapados pelo chapéu de algodãozinho fino e com a sua pele tão branca como a areia, era uma criança como as outras, a fazer castelos de areia à beira mar, à medida que as ondas do mar os destruíam. Havia quem dissesse que já se encontrava na Mariazinha grande autodeterminação, espírito empreendedor e muita força de vontade. Um monte de disparates ditos por adultos que teimam em ver as crianças à sua imagem e esquecerem-se do que é ser criança. Certo, certo é que a Mariazinha agora era apenas uma criança igual a todas as outras, que chorava, ria, brincava e amuava e a quem a vida se lhe oferecia inocente e cheia de uma infinidade de possibilidades. O que seria a Mariazinha quando crescesse ainda ninguém sabia. E muito menos o saberia ela. Viria a ser viajante, correr o mundo por entre o frio dos Andes e o calor dos trópicos ou seria antes uma perfeita dondoca, coquete e cuidada, perdida entre roupagens, adereços e perfumes, preocupações únicas da sua existência? Seria voluntariosa, altruísta e abnegada ajudando quem necessitasse ou uma perfeita bandida a assaltar bancos ao bom estilo dos anos 30? Seria ceifeira em plena seara alentejana ou partiria para longe, para Africa, para grandes caçadas savana fora? Casaria de véu e grinalda, seria mãe dedicada, mulher fiel e profissional esmerada ou enveredaria por uma carreira de espectáculos de rua? Seria tropa ao serviço da nação ou padeira ao serviço de fomes alheias? Seria amorfa, sem qualquer característica que a distinguisse dos demais ou seria tão peculiar que nunca encaixaria neste mundo?
O que a Mariazinha seria um dia, ninguém sabia. Porque as possibilidades que a vida lhe oferecia eram tantas como os castelos que agora construía despreocupadamente à beira mar. Por isso, deixai a Mariazinha ser uma criança igual à outras, com o seu chapéuzinho de algodão, sem preocupações com o que a vida lhe trará.