sábado, abril 07, 2007


Humberto Borges ©

Luciana sorria até quando chovia. Nunca se vira nada assim. Não havia contratempo que a indispusesse nem insulto que a enfurecesse e era capaz de garantir felicidade no dia de qualquer alma, com o seu sorriso franco e rasgado. Ninguém sabia de onde lhe vinha aquela alegria que, por artes de magia, transformava em sorriso terno com que brindava cada um com quem se cruzasse. Os mais maldosos diziam que tinha em casa uma caixa escondida, onde guardava os sorrisos que ia roubando. Das gentes que encontrava, lá no sitio longe onde trabalhava. E que à noite, abria a caixa devagarinho, espreitava lá para dentro e respirava todos aqueles sorrisos que lhe garantiam tão boa disposição no dia seguinte. Os mais desconfiados assim diziam porque não acreditavam ser possível manter um sorriso num lugar tão sujo e miserável como aquele em que viviam. Um lugar que todos haviam esquecido e onde até o sol deixara de raiar. Doentes do coração, preferiam ficar-se com a ideia que algo tão genuíno só podia ser roubado, à semelhança dos relógios, cartões de crédito e colares arrancavam por puxão aos turistas mais incautos. Mas Luciana, a rapariga que sorria até quando chovia, mantinha-se indiferente ao mal dizer das gentes e era já a moça mais adorada do bairro onde qualquer rapaz se emperiquitava todo caso tivesse a sorte de sair com ela. Para voltar no dia seguinte de mãos a abanar sem sequer um beijo dado para se vangloriar, tendo ainda que confessar que Luciana lhe ficara com o sorriso que esboçara ao vê-la.

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