quinta-feira, novembro 22, 2007


Humberto Borges ©

Durante anos não percebi como os meus amigos podiam apaixonar-se e de repente desaparecer da luz do dia e dos convívios que sempre nos uniram. Achava estranho que numa fase adulta e consciente, em que temos amizades mais que consolidadas, aquelas personagens inundadas de paixão pura simplesmente desaparecessem da face da terra, desejando ardentemente estar 24 h sobre 24 h com o leimotiv da paixão que viviam. A cabra racional que há em mim sempre viu isto como um disparate e nada saudável, a longo prazo, para a relação que se iniciava. Fazia-me espécie que vivências anteriores fossem abandonadas como se nunca tivessem sido as desejadas nem sequer importantes, sendo vividas apenas como mal menor, na falta de melhor.
Da mesma forma, deixava-me algo perplexa que estes meus amigos jovens apaixonados vissem de repente as suas várias necessidades supridas por uma única pessoa: o agent provocateur de toda aquela paixão, não sentindo vontade de estar fosse com quem mais fosse. Aos poucos fui aliás compreendendo que esta é uma atitude main stream e que, a maioria das pessoas, quando apaixonada, é assim que se comporta. Tão main stream que agora, ao ver-me na posição inversa, acabam por me tratar da mesma forma. Ou seja, por me encontrar num estado de idílico enamoramento, os demais acreditam piamente que fui igualmente submetida a uma lobotomia, que me deixou sem qualquer vontade própria, que me suprimiu igualmente todas as características e faculdades anteriores, tendo tudo o mais deixado de ter importância incluindo os convívios entre amigos. Supostamente, estes deixaram de me fazer falta, porque Helás! todas as minhas necessidades se encontram finalmente satisfeitas por um todos em um. Isto tudo assumido como dado adquirido e não questionável porque de mim, ser cheio de borboletas esvoaçantes no estômago, não é esperado qualquer outro tipo de comportamento. Mesmo que tal comportamento nada tenha a ver com aquilo que eu sou e que não seja o desejado por mim. Concluo agora que provavelmente aqueles que durante anos me deixaram perplexa com o seu afastamento não foram se calhar mais que vítimas de uma certa forma de exclusão (quiçá por a sua própria felicidade nos ser insuportável, e dai serem vistos e tratados como traidores, de quem se passou para o outro lado, meaning, para o lado dos felizes), que os levou, obviamente, a afastarem-se.
As relações humanas têm sem dúvida muito de curioso e, como um dia me dizia alguém que estimo muito, os nossos amigos dizem-nos sempre que nos querem o mais feliz possível. Até ao dia em que realmente vivemos algo feliz e ai perceberem que afinal não nos queriam tão felizes quanto isso… Talvez o estado de enamoramento sirva para isso mesmo também. Para nivelar amizades e para vermos quem, entre mortos e feridos, fica genuinamente feliz por nós e se mantém ao nosso lado igual ao que sempre foi. Mesmo que a nossa disponibilidade seja, por força das circunstâncias, menor. Afinal de contas, aí, quando a nossa disponibilidade diminui, é que a porca torce o rabo e tudo pia mais fininho... Porque, como diria a minha cunhada preferida, gostarem de nós quando somos simpáticos e disponíveis não é difícil.

1 comentário:

Anónimo disse...

Eu gosto sempre de ti, muito, com ou sem enamoramento....mas também cresci, como tu, e o tempo já não é o mesmo. Mas quando há, é sempre tão bom....
Marsupas