Numa dessas janelas de esguelha estava uma menina com um ar nada sorridente. Tinha grandes tranças morenas, grossas, enfeitadas por grandes laçarotes de fita de cetim vermelha a condizer com o vestidinho de flores vermelhas que vestia.
A menina nada sorridente chamou-me então.
Ao abrir a porta grande e mal feitona, via-se bem que naquela casa nada era como nas outras casas. Lá dentro também tudo era desenhado de forma muito pouco alinhada. As mobílias eram todas mal dimensionadas, as paredes tão toscas como nunca se vira e até as escadas acabavam a meio, a caminho de sitio nenhum.
E lá estava a menina à janela. Nada sorridente, como já disse. Aliás, muito triste porque quem a tinha posto à janela tinha-se esquecido de lhe desenhar as pernas. Por isso, a menina que tinha nascido à janela, porque alguém ali a desenhara, nunca tinha conseguido sair dali. E ainda por cima, quem a tinha desenhado tinha também desenhado tudo aquilo que a menina precisava. Havia uma cama, comida, brinquedos e até um baloiço no jardim. Tudo muito tosco, é certo. Mas estava lá tudo. Mas a pobre menina sem as pernas que alguém se esquecera de lhe desenhar, não podia usufruir de nada daquilo, o que a punha ainda mais triste.
Então eu, munida do meu lápis gigante, desenhei umas pernas na menina triste. Não tenho muito jeito para desenho e as pernas até ficaram mal feitonas e bastante tortas. Mas a alegria da menina triste em puder correr pela casa, sair porta fora, pular e comer cerejas até enjoar foi tanta que não me parece que os meus fracos dotes em desenho tenham importado. Até porque ali tudo era torto, mal dimensionado e inacabado.
Inspirado num filme lindíssimo:

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