sexta-feira, novembro 24, 2006


Humberto Borges ©

Um dia acordou e tinha um alto bem no meio do peito. Com o seu jeito despachado, não lhe deu grande importância e tomou o seu duche habitual. Enquanto tomava o café da manhã deu-se conta que o alto lhe começava a doer. Como se a água do duche tivesse provocado uma reacção estranha naquele corpo que sempre estimara. Intrigado, começou a vestir-se com cuidado. Quando vaidosamente se olhou ao espelho ajeitando a gravata, viu duas minúsculas folhas a espreitarem-lhe por entre os botões da camisa Ralph Lauren. Sentiu então um sem fim de dores pelo corpo todo, como se pequenos ramos quisessem sair-lhe do corpo, furando-lhe a pele. E de facto, assim era. Rapidamente o corpo se encheu de ramos com folhas verdes acabadinhas de nascer e uma outra ou outra flor aqui e ali. Em pânico, assistia àquilo tudo diante do espelho, àquele corpo que rapidamente se metamorfoseava em árvore. A cabeça ia-se transformando numa enorme copa de castanheiro, onde até as castanhas já iam aparecendo, e os pés começavam a transformar-se em grossas raízes, que procuravam segurá-lo ao chão. Aflito com tudo aquilo, começou a chamar pela mulher. Maria, Maria! Mas nada. A mulher estava muda e queda. Maria, insistia enquanto a custo arrancava os pés feitos raízes e arrastava-se até à cozinha partindo ramos ao passar pelas portas e sentindo gotas de resina em forma de lágrimas. Finalmente, ouviu a voz da mulher que, de uma forma tão doce como nunca lhe ouvira, lhe dizia Querido? Estou aqui, querido. Encontrou-a então na cozinha, em frente do lava-loiça, precisamente onde a deixara na noite anterior antes de se refastelar no sofá depois de um opíparo repasto que comera depressa e sem emitir uma palavra. Aliviado, encaminhou-se para ela. Mas, para sua grande surpresa a mulher transformava-se, ali, mesmo à sua frente, num enorme e reluzente machado.

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