quarta-feira, novembro 22, 2006


Humberto Borges ©

Só faltavam 4 km. Havia percorrido mais de 38 km. 38 km esfalfados por curvas sinuosas e subidas ingratas, debaixo de uma chuva de fim de mundo. Já só faltam 4 km. 4 km onde o cansaço começava a ser demasiado. Os 47 anos que carregava já se faziam sentir e não perdoavam. Isso e as noitadas de copos onde, à custa de tanta cerveja, a língua se lhe embrulhava e os olhos reluziam para aquelas miúdas de vinte e poucos anos, que quase nada tinham para lhe contar mas que o embriagavam com os corpos enxutos, de peito espetado e sorriso malicioso estampado na cara. Noitadas que se mostravam no cansaço que começara por entrar-lhe devagarinho no corpo e agora se transformara num cansaço agudo, como se lhe espetassem um estilete bem no meio do coração. Só faltam 4 km, só faltam 4 km, insistia para consigo enquanto os outros, bem mais novos, também de vinte e poucos anos, passavam por ele num passo elegante de corrida deixando-o para trás como se nada fosse. Só faltam 4 km... sussurrava baixinho à medida que o passo de corrida cedia a um passo lento e cambaleante. Curvando-se sobre si mesmo, levou a mão ao peito não conseguindo perceber se a dor que sentia lhe vinha da falta que lhe faziam aquelas miúdas de vinte e poucos anos, tão curvilíneas e generosas, ou simplesmente do cansaço dos últimos 38 km da sua vida. Só faltam 4 km, murmurou, de joelhos, por entre um breve suspiro.

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