quinta-feira, dezembro 21, 2006



Adoro esta cidade de Lisboa. Sabem bem disso. Gosto de sair à rua e de sentir como meu bairro, lugares por onde as pessoas passam a correr e em nada reparam ou para onde outros se deslocam de propósito, em férias. Adoro aqueles clichés todos que faz de Lisboa uma cidade única. A luz, os eléctricos, os cantos e recantos, o espraiar calmo do rio, as gentes etc, etc. Mas como toda a relação amorosa, temos os nossos momentos de conflito. Extremo, às vezes. Esta época natalícia é um deles. Zango-me seriamente com a cidade e amuo. Acho que Lisboa nesta altura do ano vira puta. Além de parecer uma rapariga da rua com o excesso de enfeites natalícios (dos quais até gosto, diga-se), a cidade abre-se descaradamente a quem a rejeitou durante todo o ano, deixando aqui entrar todos aqueles que, refastelados no suposto conforto dos arredores, levam o ano a bramar o quanto a detestam mais à sua confusão e o quanto lhes seria impossível viver aqui. Guiados pelo consumismo mascarado de espírito natalício, e aproveitando para fazer um programinha e ver os ditos enfeites, passeiam-se pela cidade enchendo as zonas mais carismáticas como se estivéssemos permanentemente à saída de um estádio de futebol em época de campeonato europeu. Locais antes aprazíveis tornam-se insuportáveis, as lojas que nos receberam durante todo o ano mostram-se estrangeiras, aqueles que reconhecemos como sendo os nossos bares e restaurantes abarrotam-se de jantares de empresa e do amigo secreto, com gente de chapéu de pai natal na cabeça e copo de vinho na mão, já meios toldados. Isto para não falar na porra da árvore do Terreiro do Paço (que também gosto, diga-se, como aliás gosto de tudo que meta luzinhas) que, com a capacidade que tem para atrair saloios, de máquina de filmar ou de fotografar em punho, consegue encalacrar o transito todo da cidade a partir das 18 horas em dias de trânsito fácil, fazendo com que um trajecto de 10 minutos demore uns bons 55. Deve ser algum castigo que nos é infligido por capricho dos tais que criticam a cidade todo o ano e que demoram bem além de 55 minutos por dia a vir dos seus pacatos arrabaldes para aqui ganharem o pão. Bom, a confusão geral é de tal ordem que só nos apetece fugir da nossa própria cidade, correr para o sossego do lar, trancar bem a porta e só voltar a pôr o pé na rua lá para meados de Janeiro. De preferência depois dos saldos.
Lisboa, se fosse uma rapariga digna e honesta, ou até mesmo puta, mas puta fina, nesta altura do ano fechava os acessos e reserva-se de amores para aqueles aqui vivem todos os dias do ano, que a acarinham e que lhe tentam dar alguma vida.

1 comentário:

Anónimo disse...

Sendo eu saloia, porque habito nos arrabaldes, concordo inteiramente. Desde miúda que me lembro da festa grande que era o Natal em que tinha o privilégio de vir à cidade com o meu pai, que com as suas pernas longas me fazia ter de andar a trote ao seu lado, na rua do arsenal com o seu cheiro forte a bacalhau. Vir a Lisboa era uma festa. Apesar de continuar a viver na "terrinha" venho todos os dias para a cidade e adoro fazê-lo, e irrita-me, igualmente, quem despreza esta cidade durante todo o ano para a namorar no Natal! A cidade é linda sempre. Força Bolota, luta pelos teus direitos! e já agora, Bom Natal.
Marsupas