quarta-feira, janeiro 17, 2007


Humberto Borges ©

Manel, rapaz esperto e interessado, andava naquele oficio ia para 8 meses. Era o primeiro emprego, é certo, mas a verdade é que não tinha muita queda para a coisa e ainda não conseguia perceber muito bem o que tinha que fazer. Os corpos chegavam-lhe frios, inertes, rijos. Às vezes com esgares de dor. Outras vezes nem por isso. O Sr. Antunes, o pai que lhe fazia também as vezes de patrão, homem gorduroso e calejado a enterrar mortos, dera-lhe uma explicação rápida rematada com um Percebeste tudo? mal humorado e impaciente. Uma breve explicação do que tinha que fazer a cada corpo. Aparar cabelos e barba quando os houvesse. Lavar e perfumar os corpos, enxotando o cheiro a morte. Garantir a ausência de flatulência que pudesse assustar familiares durante o velório. Maquilhar senhoras e dar um nó bem apertado aos senhores. Mas Manel não nascera para agente funerário. Moía-se e condoía-se com a dor dos familiares que lhe chegavam a chorar o ente querido. E quando o ente querido lhe entrava pela agência dentro, não conseguia conter-se, desatando num pranto aflitivo, onde as lágrimas lhe turvavam a vista impedindo-o de fazer o serviço como devia ser. À conta disso, muitas famílias eram surpreendidas com o patriarca defunto de lábios pintados de vermelho garrido ou com a avozinha de gravata muito bem posta, a dar ares de lésbica dos anos 20. O Sr. Antunes, em desespero de causa, e porque o mercado de agentes funerários também andava fraco, optou por colar pequenos post it nos defuntos, indicando o que devia ser feito. A coisa correu bastante bem durante uns tempos. Manel só precisava de ler as indicações escritas e cortar onde o papelinho amarelo lhe dissesse que era para cortar, armar um rabo de cavalo onde tal lhe estivesse escrito e por aí fora.
Até ao dia em que lhe entrou o corpo bem delineado de uma jovem rapariga, de longos cabelos, leves e loiros, e de feições miúdas, tão perfeita que até conseguira morrer de sorriso estampado na cara. Chegou-lhe assim. Sem aviso e sem familia a chorá-la. Meio atordoado, Manel principiou a despi-la, devagar e com jeitinho, não fosse magoá-la ou acordá-la daquele sono. Inevitavelmente, começou por lhe despir as calças. Conforme se descobria, o corpo mostrava-se alvo, iluminando-o, a pele macia e coberta por uma leve penugem. De mãos trémulas, desapertou cada botão da blusa como se se desfizessem em pó, descobrindo os seios em forma de lua cheia. Estranhou, contudo. À medida que a despia suavemente não lhe encontrava nenhum post it. Quando, ao acabar de desapertar o último botão da fina blusa de algodão às florzinhas, encontrou um. Bem junto do umbigo. Dizia: Acariciar com meiguice. Dar beijos em doses avantajadas. Fazer festas e miminhos sem fim.

1 comentário:

Anónimo disse...

Andamos muito calonas... não se escreve mais nada!!

Um bom dia para ti
Beijos
Ana