quinta-feira, outubro 19, 2006


Humberto Borges ©

Há palavras que nos beijam. Ela sabia-o bem. Melhor que ninguém. Ele sempre tivera esse jeito, de a beijar ao de leve com palavras. Sempre a mimara assim. Desde o dia em que se conheceram, há quase 50 anos, numa esplanada junto ao mar. Quando ela lhe perguntara o que queria beber e ele lhe respondera Uma água bem fresca, para me acalmar o desejo que tenho de te fazer feliz. Palavras que vinham de mansinho, pé ante pé, lhe percorriam o corpo como beijos e, enchendo-a de arrepios, a envolviam em ternura e a faziam sentir-se a mulher mais amada do mundo. Agora, quando já nada havia que a salvasse, quando os médicos olhavam para ela como um caso perdido escondendo envergonhadamente o olhar cada vez que lhe entravam pelo quarto dentro, ele sentava-se ao seu lado, pegava-lhe na mão fria e quase inerte e sussurrava-lhe: Quero que o vermelho te corra nas veias para sempre. Quero que fiques. Aqui. Comigo. Que esperes por mim para morrermos juntos e para juntos acordarmos do lado de lá. Palavras que lhe chegavam como um beijo. Mais forte que muitos dos beijos que havia recebido durante toda a vida, aquecendo-a e enchendo-a de uma esperança que ela sabia não poder existir.

1 comentário:

Anónimo disse...

.... lindo...e nada mais posso acrescentar porque é tudo imagens e afectos e para isso não são precisas palavras, bastam as tuas.
Marsupas