quinta-feira, fevereiro 01, 2007


Humberto Borges ©

"Punida com prisão até 3 anos". O cartaz impunha-se defronte de uma montra de roupa laranja. A recordação que Joana tinha daquela tarde não era de todo laranja, animada ou alegre. Do encontro com Miguel, sim. Lembrava-se de ter esmerado na indumentária e de se ter agasalhado com um grosso cachecol laranja numa noite fria de Inverno, em que combinaram encontrar-se sorrateiramente. Lembrava-se ainda do amarelo alaranjado da aliança que Miguel escondera dissimuladamente no bolso do casaco, antes de se sentarem para jantar. E da entrada revestida a veludo laranja garrido da pensão barata para onde ele a levara, com palavrinhas mansas e promessas mil. Para depois daquela noite o laranja rapidamente desaparecer, sendo tudo inundado por um cinza carregado quando se viu de telefonemas recusados e encontros desmarcados. Para a vida se carregar de negro quando meses mais tarde se descobriu grávida de um amor não correspondido, sozinha e esquecida. Para sozinha se encontrar numa sala fria, revestida a azulejos encardidos, com toalhas pejadas de nódoas por companhia. Numa sala fria que alguém lhe recomendara. Como cinza eram os ferros onde pendurou as pernas antes de lhes tirarem aquela amostra de vida de dentro.
"Punida com prisão até 3 anos". Não tinha sido punida por lei. Isso não. Mas ficara amarrada àquelas memórias da vida que decidira interromper, fruto de um engano amoroso. Ia para quase 10 anos que era prisioneira do segredo guardado de um filho recusado. Do sabor amargo do arrependimento do que fizera naquela tarde cinza que nada tivera de laranja e alegre .

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