quarta-feira, fevereiro 07, 2007


Humberto Borges ©

De manhã cedo, quando bebia a sua chávena de chá sentado na mesa fria da cozinha, tinha aquelas duas figuras orientais a observá-lo. Esparramadas na lata de chá que a mãe lhe trouxera de uma das suas muitas viagens. Imaginava-as a soltarem risinhos parvos enquanto se divertiam com a sua cara estremunhada de quem não lhe apetecia viver o dia. Tinham o condão de o irritar, apesar de nunca se ter lembrado de mudar o chá de caixa e deitar aquelas caras para o lixo de uma vez. Todas as manhãs era aquilo, sendo que hoje encontrava-se especialmente irritadiço. Já se arrependera um cento de vezes por ter convidado a Susana para jantar naquela noite. Escolhera o restaurante mais in da cidade e decidira que por alturas da sobremesa faria aquele número parolo, e que sempre detestara, de esconder a caixinha com o anel de noivado no meio do guardanapo ou algo assim. Tudo muito bem engendrado, sem dúvida. E porquê? Porque já ia sendo tempo. Só por isso. Não porque gostasse da moça por aí além. Nem sequer a conseguia ver como a mulher da sua vida. Disseram-lhe que era assim que as coisas se faziam, pelo que assim as faria. A verdade é que aquela maldita caixa dourada, com uma fita prateada escolhida à presa, lhe pesava como chumbo desde que saíra da loja com ela no bolso, tentando escondê-la, envergonhado. Isso e os milhares que gastara quando finalmente se decidira pelo ouro branco com o brilhante singelo. Susana era uma rapariga singela.
As duas figuras orientais persistiam em olhar para ele. E agora pareciam recriminá-lo por estar para ali feito tonto, imóvel, cheio de medo e receio daquilo que afinal decidira fazer. Arrumou-as no armário e fechou violentamente a porta, esquecendo-se delas até à hora em que à noite se sentou à frente de Susana. Altura em que os risinhos parvos e fininhos lhe chegaram novamente aos ouvidos dando-lhe a certeza que, em vez de ter posto na pequena caixa dourada algo que o comprometeria para o resto da vida, a devia ter enchido de areia que escorregasse pelos dedos de Susana mal a abrisse. Aproveitaria então o pretexto para a convidar para umas férias nas Caraíbas ou algo assim mais simples, cenário ideal para uma paixão que muito provavelmente se esfumaria assim que passassem a marido e mulher.

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