quinta-feira, maio 18, 2006


Humberto Borges ©

Não sei o que aconteceu. Juro que não. Quando dei por mim estava estendido no chão. Acordei com a chuva que troçava de mim, com gotas gordas que me caíam na testa. Ao meu lado fazia-se sentir um intenso cheiro a álcool e a morte. Alguém estava ali estendido comigo. Mas havia sangue. O barulho dos eléctricos nos carris e dos passos na calçada eram-me insuportáveis, quase ensurdecedores e a cabeça latejava-me. Tanto, tanto. As nuvens movimentavam-se velozmente no céu azul e o sol espreitava volta e meia, fazendo-me estremecer, gelado. Não me lembro de como fui ali parar. E muito menos o que fazia aquela navalha na minha mão. Só me lembro do jantar de Natal, onde nos encontrámos todos, trocámos prendas, gargalhadas e disparates e certamente um bom par de copos de vinho a mais. Depois... Depois só me lembro de uma espécie de torpor gostoso que o álcool me deu, de sair do restaurante na galhofa com o Rodrigo, de gozarmos com um velhinho que espreitava de uma janela com binóculos para a vizinha que se despia, da bandeira de Portugal, enorme, esmagadora, a esvoaçar ao vento, de ironizarmos sobre este pais que não sai da cepa torta e de nos perdermos por um beco sujo e escuro. Não me lembro de mais nada. Juro que não. Não sei o que sucedeu. Dizem-me que o matei mas eu... Eu não tenho memória de nada...

2 comentários:

Anónimo disse...

Greets to the webmaster of this wonderful site! Keep up the good work. Thanks.
»

Anónimo disse...

Very pretty site! Keep working. thnx!
»